Grades Abertas: Encontros com a Prisão, por Samuel Lourenço

18 dez 2018

O texto dessa semana na Plataforma Desencarcera é do nosso grande parceiro e amigo Samuel Lourenço, um dos inspiradores na missão de tornar a prisão um problema público. Um problema que só pode ter solução com a sua abolição.

Demorei perceber que aquilo ali era uma cela de cadeia.

Por Samuel Lourenço

Meu primeiro contato com a prisão foi sob gritos: “água no feijão, muita água no feijão! Chegou mais um na cela!”. Eu, algemado e mancando, parei em frente ao Xadrez 08, corredor da delegacia de Neves, uma distrital de São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Fui recepcionado por mais de 70 presos num espaço de 30 metros quadrados, com 14 leitos apenas. Ali, baleado, recebi dos presos, a preferência na (demorada) fila do banho, um pedaço de sabonete e um pano rasgado. Logo, me foi concedido um espaço no chão para ficar sentado, sem precisar se levantar para revezar com outros presos. Ganhei o apelido de “baleado”, um Povedine para usar no ferimento provocado pelo tiro e alguns biscoitos que foram arrecadados de imediato, já que não havia mais comida.
Fui dispensado de dormir na “porta do boi”, que á o primeiro local que as pessoas dormem ao chegar na cadeia, e não precisei ficar em pé na madrugada para os demais dormirem, visto minha ferida na perna. Com o passar das horas e dos dias, fui percebendo que estava preso. Talvez, a tamanha solidariedade dos companheiros de prisão, em meio ao descaso do Poder Público, me fez retardar o entendimento de que ali era aquele espaço constantemente rabiscado como antro de selvagens, ou desenhado como cela de cadeia.