Grades Abertas: Encontros com a Prisão, por Luís Carlos Valois
4 dez 2018
DE VERDADE NÃO
Luís Carlos Valois – Juiz titular da Vara de Execuções Penais do Amazonas
A primeira vez que entrei em uma prisão, na verdade, não foi a primeira vez, eu não entrei, eu não estava lá. Ingressei na magistratura e, por dever do cargo, fui a uma cadeia pública, inspecionei celas, vi presos, mas não estava lá.
Pode parecer estranho, passei anos visitando aquela cadeia, mas algo barrava o meu ingresso verdadeiro, eu não entrava lá. Até que um dia, no curso de mestrado, em São Paulo, fui a uma cadeia pública sem ser juiz. Estava de licença e participando de um grupo de estudos da USP chamado GEDUCC, Grupo de Diálogo Universidade-Cárcere-Comun
Durante as atividades, quando eu conversava com um preso como mais um aluno do grupo, sem o interno saber que eu era juiz, eu vi uma lágrima, eu vi que o preso chorava, ao falar da família, da falta de esperança, da dor do passado e do abandono.
De repente, a surpresa. Que estranho! Eles choram mesmo! Eu já tinha visto centenas de presos chorando, mas, na verdade, nunca tinha visto nenhum. O cargo de juiz, a autoridade, a distância que o direito forja entre as pessoas, nunca tinha deixado eu ver, de verdade, um preso chorando.
De nossa posição na sala de audiência, tão distante. De nossa postura fria, fingindo uma técnica que não resiste à mais singela reflexão. Desses lugares não se consegue ver pessoas de verdade. Antes, eu entrava na cadeia, visitava corredores e pavilhões, falava com presos, mas entre mim e eles, por mais que estivéssemos no pátio, em plena luz do sol, havia sempre uma grade no meio.
E grades não deixam lágrimas serem vistas. A grade da alma, a grade da alma do juiz, não deixa que ele veja nem gente, quanto mais lágrima. Mas repentinamente aconteceu aquilo, sentado no canto, em uma cadeia de São Paulo, conversando com uma pessoa, longe do cargo, longe de casa, apenas conversando com uma pessoa, espanto: preso chora!
Naquele dia, voltei para casa cabisbaixo, com vergonha. Eu nunca tinha visitado uma prisão, quem visitava era um personagem idiota, com cara de autoridade, representado por mim.
E a partir daquele dia, do dia que eu vi uma pessoa de verdade presa, porque consegui ver sua lágrima na mais pura sinceridade, na mais pura justiça, porque justiça não permite grades, justiça é olho no olho, é a dor exposta sem subterfúgios, a partir daquele dia comecei a entrar nas prisões diferente, talvez um juiz diferente, talvez uma pessoa.